"A vida faz de nós máquinas, mas enquanto tivermos sentimentos seremos humanos...”
(Charles Chaplin)
Hoje não quero escrever. Quero poupar idéias e fazer sobrar ações. Quero magoar muitos e fazer outros fatalmente felizes. Quero perder amigos e colecionar amantes. Quero revelar sentimentos que lutei para que permanecessem inertes em meu espírito obscuro e medíocre. E quero, pela primeira vez, expor essa minha personalidade aos holofotes seletivos que são os olhos da sociedade. Seria essa a morte do meu "eu-social"? Penso com os olhos sobre o mundo mecânico que nos cerca. A cidade... A cidade não passa de um filme de quinta, com atores tão manipuláveis quanto títeres e que anseiam por seus espaços nos créditos finais, mas não têm a menor capacidade de uma atuação de destaque. Não, definitivamente não é este o meu destino. Eu quero o extremo, o meio já não me interessa. Eu quero alcançar o apogeu do prazer. Acendo um cigarro, me sirvo de uísque - felizmente existe o álcool na vida. Bebo para esquecer, para me libertar de mim, para arrancar todas as amarras com as quais o mundo insiste em me aprisionar. Amanhã, a ressaca aparecerá e revelará inútil o meu esforço, lá fora o circo continuará armado e os palhaços parecerão não perceber o espetáculo incessante do qual participam. Ah, Admirável Mundo Novo*, onde estarão as minhas doses diárias de soma**? É certamente a falta delas que me mantêm vislumbrando esse patético mundo do alto ao invés de juntar-me à massa e agir como mais um humano robótico e fabricado. Mais uma dose, mais um cigarro. O silêncio da cidade fervilhando grita e me atira em um oceano sem fundo de loucura, impotência e melancolia. Mais uma dose, mais um cigarro. Os meus olhos testemunham a minha desgraça, como construir um mundo melhor? Como livrar a massa dessa ignorância eterna, desses desejos fabricados? Mais uma dose, mais um cigarro. O mundo já não é tão ruim, os problemas já não são tão graves, as pessoas já não são tão fúteis; Talvez, ainda haja esperança. Mais uma dose, mais um cigarro. Os problemas parecem supérfluos, o espírito agora anseia pela dança e o corpo anseia pelo prazer. Mais uma dose, mais um cigarro. Saio do meu apartamento, desço as escadas, percorro as ruas e, junto à massa, procuro música e sexo. Encontro-os, como sempre, à minha espera.
*Admirável Mundo Novo - "escrito por Aldous Huxley em 1931 é uma “fábula” futurista relatando uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas. Não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química (soma**) e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono."
Leila Saads
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sexta-feira, 30 de março de 2007
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Um comentário:
Leila, tô bege, sem comentários...(hehehe, brincadeirinha). Seu texto é demais, bonito, maduro. Acredito que algumas figuras da sala queiram falar sobre o mesmo assunto: a sociedade e sua forma de se enfrentar através de membros um tanto rebeldes. Confio na boa rebeldia, aquela sensata de quem deseja mudança sempre. O mundo está ai recheado de rebeldes interessantes e críticos de grande importância nas discussões sobre o que está estabelecido: governos, instituições, políticos.
Vamos fazer a diferença também e participar desse movimento underground da boa rebeldia!
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