sexta-feira, 23 de março de 2007

O Sonho de Orieta

Sonhei que sobrevoava a cidade. É bom observar os lugares a distância. A beleza dos monumentos e construções é algo de tirar o ar. Sabe uma sensação de ter poucos olhos diante de algo muito bonito?

Fiquei voando sozinha e observando as pessoas voltando para casa. E vi os carros, aqui são muitos, retornando todos ao mesmo tempo. Uma fila interminável no sentido contrário ao maior monumento da cidade: dois prédios muito altos, com duas conchas aos pés, uma côncava e a outra convexa. É aquele prédio, que alguns chamam, cinicamente, de “A Casa do Povo”. Ah, se você pudesse ver como essa casa é diferente das verdadeiras casas do povo. É muita pretensão em forma de concreto e beleza arquitetônica. Impossível não pensar nos universos áridos do nordeste, nos barracos das favelas, nos viadutos transformados em lar.

Nesse momento quase caio e percebo que devo me concentrar mais, pra não “perder” meu vôo. Já anoiteceu e o movimento de carros é bem menor. Agora está quase tudo deserto. Vejo, ao lado da “Casa do Povo”, outra construção, menor, porém não menos imponente. Essa eles chamam de “Palácio”. Como se ali vivessem um príncipe e uma princesa...

E aconteceu algo que só é possível nos sonhos. Consegui ultrapassar o concreto, driblando os guardas e me vi dentro do “Palácio”. Estava quase completamente escuro, só uma sala ainda permanecia com a luz acesa. Imaginei ser a sala do trono, porque os móveis, todos em madeira nobre e escura, transpiravam tradição. Havia um homem sentado diante da maior mesa, numa cadeira enorme (seria o trono?). Não parecia um príncipe. Seus cabelos não eram lisos e louros e pude observar que entre seus dedos entrelaçados, em que apoiava a cabeça, faltava um. Ele estava muito compenetrado, os olhos distantes, fixos, brilhavam muito. Não me parecia feliz. Como queria penetrar seus pensamentos! Fui tomada de um sentimento de solidão incrível. Não me lembro de ter me sentido assim nem em meus piores momentos. Mas o sentimento não era meu, era dele. Daquele homem sentado, solitário e distante.

Acordei assustada e chorando...

O que acontece na nossa vida que nos distancia tanto de quem verdadeiramente somos? Em que ponto ficaram os sentimentos sinceros, quem roubaram nossas risadas espontâneas? Porque nossas maiores crueldades não são ainda acertar pássaros com estilingue, furar pneu de carro, beliscar escondido o irmão caçula? E os nossos sonhos de salvar o mundo, onde estão? Porque somos tão fracos...

Aqueles olhos...aqueles olhos não me saem da cabeça. Olhos de criança no rosto meio envelhecido daquele homem.

A sensação de solidão que sinto agora é minha. Se lá era um palácio, e ele o Rei, nosso Rei estava triste e com medo.E agora?

Orieta Valentim (Carolina Borges)

2 comentários:

Unknown disse...

Que bonito!

Anônimo disse...

Olá Srta. Orieta! Parabéns pelo belo texto e pela maneira como conseguistes captar, mesmo sem estar no "olho do furacão" o que muitos que acreditaram no SONHO DO POVO NO PODER já perceberam. Realmente aquele Senhor é, no meu entender, nosso "príncipe", não de olhos azuis, nem nórdico como nós fomos levados a acreditar que são os príncipes, mas sim um operário que botou fé na possibilidade de o POVO conquistar o poder neste País tão lindo, tão grande, tão receptivo a outros povos, e também tão cruel com seus filhos. Mas certamente a tristeza no olhar daquele homem era só momentânea. Daqui a pouco ele vai levantar do trono e convocar os homens e mulheres ( como nós )de bem para continuar a luta contra os que nos oprimem à séculos. Me declaro feliz em ser seu Amigo e poder compartilhar este ensaio que você fez. Acredito que será o 1º trabalho, ou de uma grande jornalista ou de uma maravilhosa escritora. Bjs Sergio Camargo